quarta-feira, julho 15, 2020

A História da Loucura de Michel Foucault. 


A exclusão imposta aos leprosos é transferida, após o desaparecimento destes, pelos “pobres, vagabundos, presidiários e cabeças alienadas”, dirá Foucault: “Exclusão social, mas reintegração espiritual”. Embora os leprosos (depois outras categorias marginalizadas) fossem completamente repelidos pela comunidade, e sua presença erradicada do convívio dos sãos, eram eles abençoados pela mão divina: “Meu companheiro, diz o ritual da Igreja de Viena, apraz ao Senhor que estejas infestado por essa doença, e te faz o Senhor uma grande graça quando te quer punir pelos males que fizeste neste mundo”. Sua exclusão é acompanhada pela promessa do amor divino. Os rejeitados serão salvos.

Essa punição acompanhada pela reintegração espiritual talvez seja reencenada hoje pela valorização da loucura nas artes, acompanhada pela sua contínua exclusão no mundo das práticas ordinárias. Lembro da fala de um autor, notadamente desajustado, em uma apresentação organizada, numa tentativa (sempre bemvinda), de dar visibilidade à literatura brasileira praticada por vozes diversas. Alguém comenta a fala desse autor na área destinada aos comentários no YouTube: “mais um louco na academia”. Ora, o que estava sendo julgado ali não era exatamente o quê (a fala do orador), mas o como (sua forma). A voz gaguejante, os meio sorrisos, a tentativa claudicante em permanecer em pé diante da plateia é rapidamente percebida pelo esperto comentarista que, longe de perceber o próprio gesto, não hesita em abrir a boca e destilar o comentário infeliz. 

“O louco da palestra”, as figuras incômodas daqueles que não se expressam dentro dos códigos esperados serão sistematicamente repelidas, ridicularizadas, desprezadas. Essas mesmas figuras, no entanto, experimentarão os louros, as cortesias ao produzirem algo percebido pela crítica vigente como valoroso, “belo”, instigante, intenso, perturbador, etc. A arte salva, dizem por aí.